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A propaganda apresentada no início do capítulo diz: “A felicidade bateu nas suas 4 portas”. Compare o conceito de felicidade da propaganda ao do personagem, segundo o narrador (releia o último parágrafo do texto de Clarice Lispector)

Texto: “Pois que a vida é assim: aperta-se o botão e a vida

se acende. Só ela não sabia qual era o botão de acender.”

Clarice Lispector


[...] O que escrevo é mais do que invenção, é minha

obrigação contar sobre essa moça entre milhares delas. É

dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe

a vida. [...]


Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas

por cortiços, vagas de cama num quarto, trabalhando até a

estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis

e que tanto existiriam como não existiriam. Poucas se

queixam e ao que eu saiba nenhuma reclama por não saber

a quem. Esse quem será que existe? [...]


Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de perguntar “quem sou eu?”, cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto. [...]


Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho distraidamente examinou de perto as manchas do rosto. Em Alagoas chamavam-se “panos”, diziam que vinham do fígado. Disfarçava os panos com grossa camada de pó branco e, se ficava meio caiada, era melhor que o pardacento. Ela toda era um pouco encardida, pois raramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E, como não sabia, ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio.


E assim se passava o tempo para a moça esta. Assoava o nariz na barra da combinação. Não tinha aquela coisa delicada que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela. E só eu é que posso fazer assim: “que é que você me pede chorando que eu não lhe dê cantando?”. Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe o que é cachorro. Daí não se sentir infeliz. A única coisa que queria era viver. Ela pensava que a pessoa era obrigada a ser feliz. Então era.