Apelo
Amanhã faz um més que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias,
para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na
conversa da esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no
lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A noticia de sua
perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou
debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário
ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os
amigos. Uma hora da noite eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua
presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das primeiras brigas por causa do tempero da
salada meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? As suas
violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão
na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca rolhas? Nenhum de
nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas
mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
W
Misterios de Curitiba, Dalton Trevisan,
01. Em relação ao texto "Apelo", só NÃO é possivel afirmar-se que:
O
(A) o personagem demonstra dois sentimentos contrastantes em relação à ausência
da mulher.
O
(B) ao contrastar "ausência" e "privação" o narrador constrói um paradoxo que é
marcado pelo uso da interrogação e pelo jogo antitético passado/presente/ futuro.
(C) é colocada em relevo uma imagem de mulher que vaga entre o papel de mãe e de
esposa.
(d) o narrador deixa entrever uma imagem de marido alheio aos serviços caseiros e que sofre com as privações decorrentes da ausência da mulher
(E) se trata de uma carta pedindo a volta da esposa ausente sendo que a poeticidade do texto é marcada sobretudo Pela expressão:"... até o cenário ficou mudo","as suas Violetas, na janela, não lhe dou água e elas murcham","o leite primeira vez acolheu"


02. Em relação ao texto "Apelo", de Dalton Trevisan, assinale a alternativa
CORRETA:
(A) O autor do texto explicita seu apelo por perceber que, sozinho, não pode agir
como os amigos, chegando tarna, deixando os jornais no chão e comendo salada
sem tempero.
(B) O autor do texto explicita seu sentimento de alegria por perceber que a ausência
da Senhora foi aos poucos provocando uma inversão de valores em sua vida
cotidiana, tanto no que diz respeito às camisas e meias quanto às pessoas e aos
animais.
(C) Os interlocutores do texto são os amigos que conversam com o autor na esquina,
bebem com ele à noite, no bar, e acompanham-no nas refeições diárias.
(D) O autor do texto explicita seu sentimento de solidão por perceber que a ausência
da Senhora foi aos poucos provocando uma desordem em sua vida cotidiana, tanto
no que diz respeito à organização do convívio dele consigo mesmo e dele com os
demais.
(E) O autor explicita sua liberdade por ver que, sozinho, pode agir como os amigos:
chegando tarde, deixando os jornais no chão e comendo salada sem tempero.​