Leia o texto a seguir, do escritor Gil Vicente. O velho da horta Um homem honrado e muito rico, já velho, tinha uma horta: e andando uma manhã por ela espairecendo, veio uma moça de muito bom parecer buscar hortaliça, e o velho se enamorou dela. Velho — Senhora, benza-vos Deus. Moça — Deus vos mantenha, senhor. Velho — Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus. Moça — Mas no chão. Velho — Pois damas se acharão que não são vosso sapato! Moça — Ai! Como isso é tão vão, e como as lisonjas são de barato! Velho — Que buscais vós cá, donzela, senhora, meu coração? Moça — Vinha ao vosso hortelão, por cheiros para a panela. Velho — Tão depressa vinde vós, minha condensa, meu amor, meu coração! Moça — Jesus! Jesus! Que coisa é essa? E que prática tão avessa da razão! Velho — Falai, falai doutra maneira! Mandai-me dar a hortaliça. Grão fogo de amor me atiça, ó minha alma verdadeira! Moça — E essa tosse? Amores de sobreposse serão os da vossa idade; o tempo vos tirou a posse. Velho — Mas amo que se moço fosse com a metade